terça-feira

AS RESTRIÇÕES À LIBERDADE PESSOAL

Qual a diferença entre as teorias personalistas e as transpersonalistas?

Onde impera o transpersonalismo, a sociedade e o bem comum sobrepõem-se ao indivíduo.
Os interesses pessoais são sacrificados sempre que tal se mostra necessário para salvaguardar o bem colectivo.
Um exemplo é o fascismo italiano.
O indivíduo não tem valor por si. Cada pessoa integra-se num dos corpos existentes: sindicatos, associações patronais, corporações de industriais, uniões de comerciantes ou agremiações de funcionários. Estes agrupamentos representam os seus membros. O objectivo é conseguir o equilíbrio de interesses, para a organização do Estado.
Outro exemplo é constituído pelos regimes comunistas.
Também nesses casos, o interesse comum tem uma valia superior.
Todas as pessoas produzem para o Estado. Por seu turno, o Estado providencia por satisfazer todas as necessidades individuais, desde que a pessoa nasce até à sua morte.
Nas sociedades democráticas ocidentais, são as teorias personalistas que vigoram.
Acima de tudo, está a pessoa.
Cada indivíduo tem direitos que lhe assistem.
Os deveres são-lhe impostos para que sejam respeitados os direitos das outras pessoas. Apenas há deveres dado que importa observar os direitos de outros indivíduos.

Como se explica a existência de direitos e deveres?
A liberdade tende a ser ampla, onde vigora o personalismo. Numa sociedade individualista, cada um é livre de fazer o que bem entender.
O automobilista tem o direito de conduzir a sua viatura ao longo de uma estrada e seguir por ela livremente.
As restrições começam quando se torna necessário respeitar as liberdades ou os direitos de outra pessoa.
Deste modo, quando surge um cruzamento, já não há inteira liberdade de seguir pela estrada fora. É necessário parar ao sinal vermelho e deixar passar as outras viaturas.
É só nesta medida que se justifica impor deveres aos cidadãos. Quando estiver em causa permitir que outros exerçam os seus direitos.

Como se explica a obrigatoriedade de usar o cinto de segurança nos automóveis?



Trata-se de uma norma de carácter paternalista.
Poder-se-ia defender que cada um é livre de decidir se usa ou não o cinto de segurança.
Quem deixa de usar o cinto, não desrespeita o direito de ninguém.
No entanto, a lei exige a sua utilização e pune severamente os infractores.
Quem estaciona num local proibido, realmente viola os direitos de outras pessoas. No entanto, a multa é quatro vezes inferior àquela aplicada a quem não usa o cinto de segurança.
Esta regra tem um objectivo principal. É, realmente, o de proteger os ocupantes do veículo e evitar mortes ou ferimentos graves.
No entanto, também permite acautelar certos interesses da generalidade das pessoas.
Se uma pessoa não usar o cinto de segurança e sofrer um acidente, pode ficar seriamente ferida.
Um politraumatizado que dá entrada num hospital público implica elevadas despesas. Todos os contribuintes suportam os custos de assistência médica.
Por outro lado, no caso de a companhia seguradora arcar com indemnizações, tal tende a repercutir-se sobre a generalidade das pessoas que detêm apólices de seguro automóvel. Se houver muitas indemnizações a serem pagas, o negócio do seguro automóvel torna-se menos interessante. Diminui a oferta. Mantendo-se a procura, os preços tendem a aumentar.

E quanto à bandeira vermelha nas praias?



Nesse caso, é proibido tomar banho.
Também não se prejudica ninguém. Por que hão-de os nadadores salvadores começar a usar o seu apito, impedindo que um certo banhista nade à vontade, desde que esteja consciente dos riscos?
Mais uma vez, não há um prejuízo individual caso alguém resolva tomar banho quando a bandeira vermelha se encontra hasteada.
Mas existirão alguns danos se houver a necessidade de resgatar um banhista em apuros.
De resto, o salvamento de pessoas irresponsáveis gera sempre sentimentos contraditórios.
Por um lado, sentimos compaixão por quem esteve em apuros e ficamos satisfeitos por saber que uma vida foi salva. Mas também nos revoltamos contra a utilização de meios muito dispendiosos, como helicópteros, aviões, automóveis e recursos humanos para resgatar um indivíduo que decidiu desrespeitar determinadas normas.

Como se compreende a inabilitação por prodigalidade?

Cada um é livre de gastar o seu dinheiro conforme muito bem entender.
Ganhou-o pelo trabalho ou por outro meio legítimo. No que toca a despendê-lo, fá-lo como lhe apetecer. Se o esbanjar com prodigalidade, não poderá ser objecto de censura.
No entanto, em certos casos, a prodigalidade pode levar a que uma pessoa maior seja declarada inábil, pelo tribunal. Já não poderá vender os seus bens e administrar os seus bens como qualquer outro adulto. Necessita de autorização.
Tal pode parecer incompreensível.
Em grande medida, é algo de criticável.
Mas os defensores desta possibilidade salientam que não se trata apenas de proteger o próprio esbanjador.
Todos os contribuintes podem ser afectados por um comportamento como este.
Se uma pessoa decidir levar uma vida faustosa durante uns tempos, gastando amplamente tudo o que tem em pouco tempo, rapidamente estará numa situação de dificuldades económicas. Não tardará a requerer subsídios de desemprego ou de inserção.
Uma vez falecendo, ele deixará a viúva ou os filhos em situação complicada. Mais uma vez, haverá subsídios a suportar pela sociedade.

A família age como bem entender?

No que toca a menores, são os pais que devem determinar o seu modo de vida.
Mas, neste domínio, as restrições são, efectivamente, muito significativas.

Qual é o exemplo mais paradigmático?

A escolaridade obrigatória.
Os pais não podem decidir que os filhos deixarão de ir à escola.
Infelizmente, isso acontece em Portugal, em particular no seio de algumas culturas, sobretudo com meninas que chegam à puberdade. Ficam a aguardar a data do casamento, deixando de frequentar os estabelecimentos de ensino, por forma a evitar o contacto com rapazes.

E é legítimo impor a educação sexual?

Trata-se de uma matéria controversa.
A questão é saber se pode ser imposta à família a introdução desta disciplina, a ser ministrada a menores.
Pessoalmente, eu sou contrário à existência de uma disciplina de educação sexual.
Não se trata de ensinar matemática ou língua portuguesa.
Pode estar em causa a transmissão de valores com os quais a família não estará de acordo.
Evidentemente, importa ensinar aspectos relativos ao aparelho reprodutivo, às funções sexuais, às doenças sexualmente transmissíveis e à gestação. Até porque as propostas sexuais surgem numa idade muito precoce, na escola.
Mas essas matérias devem ser abordadas nas aulas de ciências da natureza e de biologia.
Assuntos diversos devem estar a cargo de cada uma das famílias, de acordo com a sua visão própria sobre a matéria.
São os pais que devem transmitir os respectivos valores aos filhos, segundo as convicções que adoptam.
Estes aspectos dizem respeito a temas como a tolerância em relação à homossexualidade, o momento de início da actividade sexual, os métodos contraceptivos ou o planeamento familiar, por exemplo.
Deste modo, em minha opinião, a educação sexual deve ser integrada nas disciplinas já existentes. Não deve ser autonomizada como disciplina isolada. Por outro lado, na escola, não se devem abordar questões que devem ser tratadas em casa, pelos pais.
É esta a minha visão pessoal.

Como se explica a classificação de filmes?

Por toda a parte, vigora a atribuição de um limite mínimo de idade para o espectador de um filme.
Anteriormente, em Portugal, tal significava que a admissão na sala de cinema era efectivamente proibida a pessoas com idade inferior à fixada para aquela película. O porteiro verificava o bilhete de identidade, em caso de dúvida. O delegado da Inspecção dos Espectáculos fiscalizava a exibição do filme. Caso verificasse que a norma respeitante a esse limite tinha sido desrespeitada, tal originaria a aplicação de pesadas sanções.
Actualmente, a classificação dos espectáculos assume carácter de mera recomendação. É um importante auxiliar para a família, ajudando a decidir se os menores devem ou não assistir ao espectáculo.
A dificuldade traduz-se nos obstáculos que cria à liberdade de divulgação cultural.
No que toca às super-produções norte-americanas que permanecem em exibição durante semanas nas salas de cinema, não existe nenhum problema.
Os inconvenientes verificam-se relativamente a filmes com edições mais restritas. Os gastos e o tempo perdido com a classificação de um filme tornam-se significativos.
No que concerne a importações directas de DVD por parte de comerciantes, tal fica seriamente comprometido, dado que é obrigatório fornecer cópias e pagar elevadas taxas.
Não custa a perceber por que razão os DVD são muito mais caros em Portugal do que nos países mais desenvolvidos.
Em todos os DVD, é obrigatória a aposição de uma etiqueta pela Inspecção das Actividades Culturais.
A questão da etiqueta tem sido considerada ultrapassada e anacrónica (não tendo qualquer paralelo noutros produtos culturais). Esta medida sempre foi uma reivindicação e aspiração dos distribuidores portugueses, que, graças à mesma, vêm a sua actividade tornada mais rentável.
Para alguns, a etiqueta apenas subsistirá para conferir protecção aos distribuidores nacionais e impedir o mercado de actuar no domínio da livre concorrência, dificultando as importações directas e a actuação de outros operadores que poderiam fazer baixar os preços. Daí que se considere a adequação da etiqueta a uma gravação no próprio disco, que tornaria possível a subsistência de um sistema, que visava fundamentalmente proteger os direitos de autor e que, hoje, constitui meio de salvaguardar os distribuidores portugueses, afastando os demais e dificultando o mercado concorrencial e livre, tendente a um abaixamento dos preços.

Relativamente a idosos, qual o papel dos familiares e dos responsáveis de um lar de terceira de idade?

Nenhum. Não lhes cabe missão alguma.
Em Portugal, tem havido uma grande tolerância em relação ao modo de funcionamento de lares de repouso.
As pessoas que residem em lares de terceira idade são adultos, livres e independentes de qualquer pessoa. Pernoitam lá quando quiserem. Quando lhe apetecer, dormem onde muito bem entenderem. Tomam as refeições no lar quando desejarem. Se preferirem, vão comer onde lhes aprouver. Regressam quando quiserem.
Os familiares e os responsáveis do lar não se podem pronunciar sobre estes aspectos.
Designadamente, o familiar que procede ao pagamento da mensalidade relativa ao lar, não fica a dispor de qualquer poder sobre aquela pessoa adulta.
Certa vez, o filho de uma senhora idosa providenciou para que ela passasse a residir num lar com boas condições.
Sucede que o irmão dele nunca se preocupara muito com a mãe. Apenas tratava de a visitar, quando estava com falta de dinheiro. Convidava a progenitora para um breve passeio, com passagem pelo Multibanco.
O irmão mais velho decidiu dar instruções no lar, com vista a que a mãe fosse impedida de sair com aquele filho.
Evidentemente, o resultado foi desastroso e originou um processo-crime.
A senhora tinha todo o direito de sair do lar quando lhe apetecesse e deslocar-se onde quisesse, designadamente a uma caixa Multibanco, entregando o dinheiro a quem entendesse.
Se um indivíduo paga o alojamento de outra pessoa num hotel, tal não lhe confere o direito de controlar as entradas e saídas do quarto.
O mesmo sucede relativamente a um idoso que resida num lar de terceira idade.
Somente em casos muito excepcionais, em que as faculdades mentais estejam afectadas, poderá o tribunal decidir-se pela interdição da pessoa idosa e nomear um representante legal tal indivíduo incapaz. Porém, essa decisão cabe sempre ao juiz. Não fica ao arbítrio dos familiares ou dos responsáveis dos lares.

Em termos de segurança rodoviária, é proveitosa a obrigatoriedade de usar cinto de segurança?
Trata-se de uma questão controversa.
Os cintos de segurança começaram por ser implementados em aeronaves, ainda antes da Segunda Guerra Mundial.
Em 1956, foram pela primeira vez colocados num automóvel, de marca Ford.
A Volvo tornou-se o primeiro fabricante a incluir o acessório como dispositivo de série, em 1959. Foi esta marca que veio a registar a patente do modelo de três pontos de fixação.
Os pré-tensores foram introduzidos, em 1981, pela Mercedes-Benz.
Pessoalmente, eu sou favorável à obrigação de utilizar o cinto de segurança.
Até por experiência própria, sei o que pode fazer este mecanismo.
Devo a minha vida ao cinto de segurança. Certa vez, no tempo em que não havia airbags, fui embatido por um camião. Só o cinto permitiu evitar que eu perecesse naquele aparatoso acidente.
Profissionalmente, tive contacto com dois casos em que o facto de os passageiros não terem colocado o cinto levou à sua morte.
Uma senhora era transportada por um táxi, no banco de trás. O veículo seguia normalmente, quando se deu uma colisão com uma viatura que circulava a velocidade perfeitamente regular, mas que desrespeitara um sinal vermelho.
Os danos nas carroçarias foram mínimos.
Mas quando o motorista do táxi olhou através do espelho retrovisor, verificou que a passageira já não se encontrava lá. Tinha sido projectada para fora, pelo óculo traseiro. Teve morte instantânea.
Noutro caso, uma jovem de 19 anos seguia ao lado de um amigo, no banco dianteiro do passageiro.
Verificou-se um despiste, a porta abriu-se e ela foi expelida antes de o automóvel capotar. Ao voltar-se, o carro ficou de rodas para cima, com o tejadilho em contacto com o solo. Mas assentou sobre a vítima, que tinha ficado prostrada na via. Ela encontrava-se esmagada, entre o pavimento e a viatura.
Mesmo assim, não faleceu de imediato. Mantinha uma das mãos de fora e um popular que ali estava agarrou-a, enquanto ela gemia de dor e mexia a extremidade do seu membro superior. Quando chegaram os socorros, já se encontrava sem vida.
Tenho a firme convicção de que é vantajoso utilizar o cinto de segurança.
Acredito que é benéfico tornar obrigatório o seu uso.
No entanto, não adopto uma postura radical.
Não afirmo que todos os países deveriam impor esta regra da obrigatoriedade. Isso merece algum debate. É algo de discutível.
Vivi num país onde não era imperiosa a utilização do cinto de segurança. Tal como todas as outras pessoas, eu não o usava.
Nas nações onde se tornou forçosa a utilização do cinto de segurança, não houve nenhum decréscimo do número de mortes ou de feridos graves. Tal não sucedeu em parte nenhuma.
De todo o modo, tal circunstância não facilita a retirada de conclusões. Houve aumentos de tráfego rodoviário e é complicado determinar se os números se manteriam caso a lei tivesse permanecido a mesma.
Não restam dúvidas quanto a uma realidade.
A utilização do cinto de segurança conduz a um fenómeno gerado pela teoria da compensação do risco.
Os condutores tendem a sentir-se mais seguros, quando sabem que estão a ser protegidos pelo cinto de segurança, pelas barras de torsão, pelos airbags e pelo ABS.
Ora essa sensação de protecção faz com que os automobilistas passem a adaptar o seu estilo de condução em conformidade.
Ficam mais à vontade para dirigir os seus veículos, com maior velocidade e sem determinadas precauções que tomariam caso não contassem com esses dispositivos de segurança.
Foram realizadas experiências reais neste sentido. Os condutores imprimem realmente maior velocidade às viaturas, quando se encontram com o cinto colocado.
De modo que, em termos de segurança, fica-se sensivelmente na mesma.
Há mais mecanismos de protecção. Mas os riscos são maiores.
A controvérsia desenvolve-se em torno de dois aspectos contraditórios.
A primeira realidade é a seguinte. O facto de uma pessoa utilizar o cinto de segurança implica que diminui o risco de morrer ou ficar gravemente ferida.
Contudo, há outra certeza. A obrigatoriedade legal de utilização do cinto de segurança faz aumentar os comportamentos temerários e o número de acidentes. A sinistralidade aumenta.
Deste modo, a matéria não é líquida. É difícil dizer se é uma boa ideia impor a obrigatoriedade de usar o cinto, por forma a aumentar a segurança rodoviária.