O SUICÍDIO
O que significa suicídio?
Acto de tirar a própria vida.
Sui significa o próprio. Cídio designa morte.
Há muitos outros vocábulos dotados do elemento cídio ou cida.
Parricida é o assassino do pai. Infanticida o que mata o filho. Matricida o que tira a vida à mãe. Regicida o que assassina o rei. Mais genericamente, homicida é o que mata um homem.
Insecticida é o produto para matar insectos. O herbicida elimina ervas.
Todo aquele que decide morrer é suicida?
De um modo geral, adopta-se uma definição restrita.
Desta forma, não se fala em suicídio quando a morte surge como consequência acessória de actos que se praticam com finalidade diversa. O bombista-suicida ou o kamikaze, por exemplo, não cometem suicídio.
Aceitam morrer, mas tal não é o seu objectivo primário.
Também não se trata de suicídio quando um sujeito pratica um crime e mata-se de seguida.
Do mesmo modo, o martírio não é considerado suicídio.
O mártir é aquele que acede a sofrer – e até morrer – em defesa da sua fé e das suas convicções. Alguns tecem uma consideração a este propósito, provavelmente sem fundamento. Dizem que, nos primórdios do cristianismo, a censura do suicídio não era tão acentuada como actualmente.
Somente de acordo com um conceito amplo se podem qualificar como suicídios este tipo de comportamentos.
Qual a razão de ser dessa definição restrita?
A questão é que os estudos e as conclusões sobre o suicídio não se aplicam nesses casos.
São casos completamente diversos, com uma lógica distinta.
Em 1999, ocorreu algo de trágico, envolvendo um magistrado do Ministério Público. Ele era particularmente conhecido por dirigir uma utilíssima publicação periódica, de carácter jurídico.
O filho dele pediu-lhe uma mota. O pai negou, alegando que se tratava de um veículo perigoso.
O descendente recorreu à mãe, que acedeu ao pedido. Finalmente, o filho do casal possuia a tão desejada mota.
O pai tinha razão. Não tardou a que o jovem tivesse um acidente. Ficou paraplégico, confinado a uma cadeira de rodas.
Para o jurista, a culpada daquilo tudo era a sua mulher. Quem lhe mandara contrariar a decisão tomada por ele?
Quando toda a família se encontrava em casa, ele pegou na pistola.
Apontou-a à mulher e disparou sobre ela. A responsável pela tragédia ficava sem vida.
De seguida, dirigiu-se ao próprio filho. Não fazia sentido ele continuar a viver naquelas condições. Matou-o.
Finalmente, guardou a última bala para ele e suicidou-se.
Que factores favorecem o suicídio?
Desemprego, divórcio, ausência de filhos, problemas com a justiça, questões amorosas e insucesso académico.
Também as dificuldades económicas potenciam tal possibilidade.
A pobreza não favorece o suicídio. Entre os mais desfavorecidos, a taxa não é maior do que nos outros estratos.
Mas entre os que repentinamente são afectados por súbitas dificuldades económicas, os números já são mais elevados.
Foi o que sucedeu com o brilhante poeta Mário de Sá-Carneiro.
Ele encontrava-se a viver em Paris.
O pai deixou de lhe enviar dinheiro.
Logo que tal sucedeu, o escritor pôs termo à vida, ingerindo estricnina. Contava vinte e seis anos.
Qual o papel dos media?
O fenómeno de imitação é conhecido como “Efeito Werther”.
Em 1774, Goethe publicou o romance “As Mágoas do Jovem Werther”. O protagonista sofre um desgosto de amor. Pega numa arma de fogo e dispara sobre si próprio.
Logo após o seu lançamento, a obra gerou uma série de suicídios com recurso ao mesmo meio.
Como se calcula a taxa de suicídio?
Habitualmente, a taxa de suicídio é expressa em número de mortes por cada cem mil pessoas, num período anual.
Na população em geral, tal situa-se entre 4 a 14, na maior parte dos casos.
Em Malta, atinge, por vezes, zero. Há anos em que não se regista um único suicídio. Em grande parte, devido a factores religiosos. O suicídio é altamente criticado.
Na Rússia, a taxa excede os quarenta.
A taxa de suicídio pode ser calculada relativamente a toda a população de um país, a uma faixa etária, a um sexo, a estratos sócio-económicos ou outros grupos populacionais.
O que revelam as estatísticas?
Os dados estatísticos sobre o suicídio não são inteiramente fiáveis.
Há sempre cifras negras. Inúmeras mortes de pessoas que se suicidaram são consideradas como acidentes, óbitos provocados por doença ou causas naturais.
As razões para que não sejam divulgados casos de suicídios são de vária ordem.
Podem tratar-se de motivos de ordem religiosa, por forma a evitar censura.
Frequentemente, a origem é económica. Os seguros de vida excluem quase sempre os pagamentos em caso de suicídio.
Até motivos políticos podem levar a que se escondam casos de suicídio.
No decorrer da II Guerra Mundial, houve vários casos de soldados que se mataram, quando anteviam uma morte quase inevitável. Tais baixas nunca foram contabilizadas como suicídios.
Inversamente, algumas mortes são consideradas suicídio. Mas podem levantar dúvidas.
Um exemplo recente é o caso do cientista britânico David Kelly. Ele era inspector de armamento no Iraque. Tornou-se público que divulgava informações a meios de comunicação social. Morreu em 2003, tendo-se considerado que se matou. Todavia, há quem defenda que ele foi assassinado.
O que sucede em cenários de guerra?
A taxa de suicídio decresce significativamente sempre que ocorre um conflito bélico.
Na II Guerra Mundial, o número de pessoas que se mataram baixou drasticamente mesmo em nações que nela não participaram.
A razão é óbvia. Quando todos procuram sobreviver a um combate armado, a reflexão é mais profunda quando se trata de decidir morrer.
Há diferenças em relação aos sexos?
São os homens que mais se suicidam.
Há outro dado interessante.
A percentagem de homens que falham um suicídio é inferior.
A razão é simples.
Os métodos utilizados pelos membros do sexo masculino são geralmente mais violentos: arma de fogo ou enforcamento, por exemplo. As probabilidades de insucesso são mais pequenas.
As mulheres tendem a recorrer a processos menos intensos: intoxicação com fármacos, por exemplo. O falhanço fica mais facilitado. Tal como sucede no romance de Paulo Coelho, “Veronika Decide Morrer”.
Em termos de características pessoais, quem mais se suicida?
Nesta matéria, a estatística é utilizada pelos defensores do direito ao suicídio. Mas também pelos que negam esse direito. Fazem-no de acordo com as conveniências.
Quem pensa que ninguém tem o direito de se suicidar, conta com uma importante circunstância a seu favor.
As pessoas mais incultas e com menor grau de instrução apresentam uma taxa de suicídio superior. Daí que se diga que o esclarecimento leva a tomar o suicídio como algo a afastar.
Por outro lado, os que defendem que todos têm o direito a morrer também podem contar com os números.
Entre os génios e as pessoas mais criativas, a taxa de suicídio é muito maior do que no seio da população em geral.
Exemplos de famosos que cometeram suicídio:
Camilo Castelo Branco
Escritor português
1890
Mário de Sá-Carneiro
Poeta português
1916
Ernest Hemingway
Escritor norte-americano
1961
Margaux Hemingway
Actriz norte-americana
Modelo
(neta de Ernest Hemingway)
1996
Elliott Smith
Cantor norte-americano
2003
Edwin Armstrong
Inventor norte-americano
1954
Primo Levi
Escritor italiano
1987
Rudolf Hess
Dirigente nazi
1986
Joaquim Mouzinho de Albuquerque
Militar português, Governador colonial
1902
Friedrich Alfred Krupp
Industrial alemão
1902
Diana ChurchillAssistente social
(filha do primeiro-ministro Winston Churchil)
1963
Van Gogh
Pintor holandês
1890
Tchaikovsky
Compositor russo
1893
Cândida Branca Flor
Milan Babic
Primeiro-Ministro Servo-Croata
2006
Toshikatsu Matsuoka
Ministro da Agricultura japonês
2007
Pedro Alpiarça
Tony Scott
Realizador norte-americano
2012
Tadahiro Matsushita
Ministro dos Serviços Financeiros japonês
2012
Mindy McCready
Cantora norte-americana
2013
Kate Berry
Fotógrafa britânica
2013
L'Wren Scott
Benoît Violier
2016
No que concerne a Rudolf Hess, o seu filho não aceita a versão do suicídio. Outros também dizem que se terá tratado de homicídio. A realidade é que Hess, em cumprimento de pena de prisão perpétua, já se tentara suicidar anteriormente. Por outro lado, deixou uma carta de despedida.
Relativamente a Tchaikovsky, aquando da sua morte, supôs-se que esta se devia a cólera. Actualmente, sabe-se que não foi assim e existe a certeza quase absoluta de que se tratou de suicídio. Tal é suportado pela exumação do cadáver e pelo exame das numerosas cartas que escreveu ao irmão. Há também quem defenda que se tratou de assassinato.
Em termos morais e filosóficos, o suicídio é defensável?
Schopenhauer defendia que cada um é livre de se pôr termo à sua vida. É a consequência de o homem se tratar de um ser livre.
Thomas Szasz continua a afirmar idêntico direito, com a autoridade própria da sua condição de psiquiatra e professor universitário.
John Stuart Mill também era conhecido por defender a liberdade individual.
Mas precisamente por essa razão, considerava haver um limite. O homem não é livre de pôr fim à sua liberdade.
Deste modo, não pode entregar-se à escravidão. Nenhum ser humano pode decidir tornar-se escravo pois terminaria a sua liberdade.
Da mesma forma, não pode cometer suicídio, dado que chegaria ao fim a sua liberdade.
A Sociedade Portuguesa de Suicidologia, presidida por Daniel Sampaio, assume uma posição clara. A pessoa tem o direito de se matar. A decisão deverá ser sempre uma escolha da sua responsabilidade.
Juridicamente, o suicídio é legal?
Em Portugal, a lei não consagra o direito ao suicídio. O cidadão não tem o direito de dispor da sua própria vida.
Tal tem relevância. É permitido o uso da força para impedir que alguém se mate. Por exemplo, caso um sujeito se encontre prestes a atirar-se de uma janela, é admissível agarrá-lo e impedi-lo de cometer o suicídio.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que todos têm direito à vida.
A Constituição da República Portuguesa prescreve que a vida humana é inviolável.
Assim, entende-se que a Lei Fundamental Nacional proíbe a violação da própria vida. Não se limita a consagrar o direito à vida.
Qual é o ponto de vista religioso?
Quase todas as religiões condenam seriamente o suicídio.
A Igreja Católica veda as ordens sagradas aos que tentaram suicidar-se. Outrora, era negado o direito de sepultura aos suicidas.
Quais as técnicas de negociação com pessoas que se encontram prestes a cometer suicídio?
O suicídio é uma solução definitiva para um problema temporário. Este é um aforismo utilizado entre os profissionais que trabalham na matéria.
Portanto, o fundamental é ganhar tempo.
O primeiro passo para o interlocutor é aceitar o suicídio como uma solução válida, mas que pode ser adiada.
Depois, importa estabelecer uma baliza temporal. Chega-se a um acordo segundo o qual o indivíduo não irá matar-se antes de chegar um dado momento. Pode tratar-se de uma hora exacta. Por exemplo, seis e meia. Ou, então, uma altura em que ocorrer algo, como a chegada do terapeuta que tem assistido essa pessoa.
De seguida, há que procurar a existência de alguém em quem o potencial suicida confie: um familiar, um amigo, um colega ou um terapeuta. A presença de uma tal pessoa é muito importante.
Em toda a conversação, devem recusar-se respostas simples, de mera concordância. Pelo contrário, devem pedir-se repostas afirmativas.
Deste modo, não basta que o indivíduo diga “sim”, “concordo”, “aceito” ou “está bem”. É necessário que afirme claramente “Aceito não me matar antes do meio-dia”.
A diferença é que, mais tarde, o potencial suicida poderia asseverar que apenas dissera aquilo porque estava a ser pressionado e nem ouvira bem a pergunta. Por isso, mais facilmente deixará de cumprir a promessa.
Se possível, deve tentar-se a mudança para um espaço confortável. Naturalmente, o pior local para conversar é a varanda de um prédio de onde o indivíduo tenciona lançar-se para o solo.
Em termos práticos, que mais se pode fazer?
O afastamento dos meios apenas deve ser tentado se houver condições de segurança.
Se a pessoa dispõe de uma pistola, o melhor é mesmo não agir. Ainda poderiam suceder duas tragédias.
Caso o indivíduo se encontre prestes a lançar-se de uma ponte, é preferível não tentar agarrá-lo.
Já quando se trata de retirar comprimidos da posse de um potencial suicida ou desligar o motor de um automóvel que se encontra na garagem assim como subtrair uma corda, os riscos são mínimos. É aceitável uma intervenção pela força.
Quando se fala mais desenvolvidamente, qual o teor do diálogo?
Numa conversa mais pormenorizada, há que explorar outras soluções ou saídas, por contraposição ao suicídio.
A forma recomendada é a de fazer com que o próprio indivíduo retire essas conclusões.
Assim como no ensino programado, deve direccionar-se a conversa e colocar questões de modo a que a pessoa conclua por si aquilo que pretendemos transmitir-lhe.
Há que enviar uma mensagem para aquele sujeito. Mas não se vai dizer-lhe isso directamente. Para ele, não há outra alternativa senão o suicídio.
Vai ser ele próprio a perceber que, afinal, existem outras soluções.
Imagine-se um indivíduo que se torna desempregado.
Ele tem mais de quarenta anos. É técnico de reparações de rádios. Já ninguém manda consertar uma telefonia. A profissão que tem exercido não tem qualquer espécie de futuro. A idade dele não lhe permite pensar numa outra actividade. Pessoas mais novas, com qualificações superiores têm enorme dificuldade em encontrar colocação. Para ele, isso é praticamente impossível.
Suponhamos agora que o nosso objectivo é dizer-lhe que deve deixar de procurar emprego em Portugal e que o ideal será encontrar uma actividade fora do país.
Em vez de lhe dizermos isso directamente, iremos colocar uma série de questões. A resposta a essas perguntas vão fazer com que ele conclua que o melhor será considerar a hipótese de emigrar. Vamos fazer-lhe crer que ele é que inferiu aquela ideia.
Quais são as hipóteses de você vir a encontrar um emprego rapidamente, mesmo fora da sua área profissional? A dificuldade deve-se à conjuntura económica portuguesa? Conhece pessoas que sentiram idêntico problema? Entre os seus amigos, quem ganha mais? Os que se encontram no estrangeiro, estão satisfeitos?
Assim, será o próprio a dizer que irá explorar a possibilidade de procurar trabalho fora de Portugal.
Qual a reacção da família e dos amigos do suicida?
O sentimento de culpa é frequente.
A questão típica consiste em saber o que se podia ter feito para evitar aquele desfecho.
Também é vulgar a simples vontade de conhecer as razões da opção pelo suicídio.
Um trabalho sério é a autópsia psicológica. Tem sido levada a cabo pelo psiquiatra Daniel Sampaio.
Recolhendo depoimentos de pessoas próximas do falecido e coligindo elementos sobre os seus últimos dias de vida, consegue-se esclarecer a causa da morte.
Tal permite satisfazer aquelas duas necessidades já referidas: afastar o sentimento de culpa e determinar a motivação do acto suicida.
Este tipo de tarefa é muito útil, revelando-se honesta e proveitosa.
Diferentes serão outras tentativas para eliminar as sensações de culpabilidade.
Trata-se de encontrar precipitadamente uma causa objectiva para afirmar que nada podia ser feito para evitar o suicídio.
Evidentemente, pode ser dito aos familiares que o falecido padecia de esquizofrenia e que se encontrava afectado por alucinações, levando-o a crer que tinha de se matar.
Tal pode ser reconfortante.
Mas não corresponderá à realidade.
É algo de similar ao que sucede com a terapia regressiva.
Vamos a um exemplo.
Determinada pessoa sofre de talassofobia. Tem medo de água. Designadamente, não toma banho em praias ou piscinas nem gosta de olhar para tais massas de água. O pavor é o de morrer por afogamento.
Rapidamente, com hipnose e recorrendo a terapia regressiva, a questão poderá ficar resolvida.
Induz-se a ideia de que aquele indivíduo teve uma vida passada, centenas de anos antes. Era marinheiro e a caravela em que navegava, sofreu um naufrágio. Desesperadamente, lutou pela vida, mas acabou por morrer afogado, no meio de uma violenta tempestade.
Fica explicado o receio actual.
Assim, ultrapassa-se a fobia.
Mas tudo assenta numa premissa fictícia: a de que aquela pessoa teve determinada vida anterior.
Cria-se uma lembrança falsa, com finalidades terapêuticas.
Voltemos ao suicídio.
Do mesmo modo, poderá dizer-se que estava em causa uma predisposição genética do suicida. Se nos genes dele já existia a tendência para ele se vir a matar, pouco poderiam os familiares fazer. O problema é se tal não corresponder à realidade, naquele caso concreto.
Em que casos surge o sentimento de culpa?
Aparece quer nas situações em que a intenção de morrer foi previamente anunciada quer quando o suicídio é algo de inesperado.
Sucedeu algo de dramático quando eu frequentava o Centro de Estudos Judiciários. É a escola de formação de juízes.
O período de aulas teóricas chegou ao fim numa sexta-feira. Foram comunicadas as classificações desta fase intermédia.
Na segunda-feira seguinte, cada um de nós tinha de se apresentar no tribunal onde iria estagiar durante um ano.
Um dos meus colegas compareceu no local e, findo o dia de trabalho, regressou a casa. Ao final da tarde, enforcou-se.
Ele era uma pessoa sempre bem disposta. Nas provas orais de admissão, cometera um lapso. Em vez de levar o Código Penal, meteu na pasta a legislação civil. Só no próprio exame se apercebeu do engano. Aquilo era caso para muitos de nós entrarem em pânico. Mas ele encarou tudo com bonomia.
A questão que se nos colocava era o que teria sucedido para que ele perdesse aquela alegria de viver.
Constantemente, todos nós pensávamos como era possível não nos termos apercebido de que havia algum problema.
A sensação generalizada era a de que não tínhamos conseguido detectar o mais pequeno sinal de que algo não ia bem na vida dele.
Existe predisposição genética para o suicídio?
Sim. No que toca a um recém-nascido, é possível saber se as probabilidades de ele vir a cometer suicídio são mais elevadas do que em relação à generalidade das pessoas.
Nos anos 90, examinaram-se cérebros de pessoas que se mataram a si próprias.
O critério essencial era nunca levar em consideração cadáveres cujo cérebro tivesse sofrido lesões com o acto suicida.
Procedia-se ao corte coronal do cérebro, em doze secções desde a zona frontal. Analisando as eventuais anomalias bioquímicas, a que mais de destacava respeitava à serotonina. Esta diversidade no sistema serotoninérgico de muitos suicidas verificava-se em particular no córtex prefrontal ocular, ou seja, na região cerebral acima da cavidade ocular. Ora esta zona do cérebro é responsável pela tomada de decisões. Trata-se, portanto, de uma diferente retenção emocional entre estes suicidas.
Foram estudados os neurónios dotados de serotonina, por forma a avaliar a capacidade funcional dessas células. O que se verificou é que, entre muito suicidas, existe maior incidência destas células.
Tal apenas sucede porque se nasce assim, com maior número destas células.
Daí que seja possível colher amostras de tecido ou hematológicas em recém-nascidos e concluir se existe predisposição genética para o suicídio.
Acto de tirar a própria vida.
Sui significa o próprio. Cídio designa morte.
Há muitos outros vocábulos dotados do elemento cídio ou cida.
Parricida é o assassino do pai. Infanticida o que mata o filho. Matricida o que tira a vida à mãe. Regicida o que assassina o rei. Mais genericamente, homicida é o que mata um homem.
Insecticida é o produto para matar insectos. O herbicida elimina ervas.
Todo aquele que decide morrer é suicida?
De um modo geral, adopta-se uma definição restrita.
Desta forma, não se fala em suicídio quando a morte surge como consequência acessória de actos que se praticam com finalidade diversa. O bombista-suicida ou o kamikaze, por exemplo, não cometem suicídio.
Aceitam morrer, mas tal não é o seu objectivo primário.
Também não se trata de suicídio quando um sujeito pratica um crime e mata-se de seguida.
Do mesmo modo, o martírio não é considerado suicídio.
O mártir é aquele que acede a sofrer – e até morrer – em defesa da sua fé e das suas convicções. Alguns tecem uma consideração a este propósito, provavelmente sem fundamento. Dizem que, nos primórdios do cristianismo, a censura do suicídio não era tão acentuada como actualmente.
Somente de acordo com um conceito amplo se podem qualificar como suicídios este tipo de comportamentos.
Qual a razão de ser dessa definição restrita?
A questão é que os estudos e as conclusões sobre o suicídio não se aplicam nesses casos.
São casos completamente diversos, com uma lógica distinta.
Em 1999, ocorreu algo de trágico, envolvendo um magistrado do Ministério Público. Ele era particularmente conhecido por dirigir uma utilíssima publicação periódica, de carácter jurídico.
O filho dele pediu-lhe uma mota. O pai negou, alegando que se tratava de um veículo perigoso.
O descendente recorreu à mãe, que acedeu ao pedido. Finalmente, o filho do casal possuia a tão desejada mota.
O pai tinha razão. Não tardou a que o jovem tivesse um acidente. Ficou paraplégico, confinado a uma cadeira de rodas.
Para o jurista, a culpada daquilo tudo era a sua mulher. Quem lhe mandara contrariar a decisão tomada por ele?
Quando toda a família se encontrava em casa, ele pegou na pistola.
Apontou-a à mulher e disparou sobre ela. A responsável pela tragédia ficava sem vida.
De seguida, dirigiu-se ao próprio filho. Não fazia sentido ele continuar a viver naquelas condições. Matou-o.
Finalmente, guardou a última bala para ele e suicidou-se.
Que factores favorecem o suicídio?
Desemprego, divórcio, ausência de filhos, problemas com a justiça, questões amorosas e insucesso académico.
Também as dificuldades económicas potenciam tal possibilidade.
A pobreza não favorece o suicídio. Entre os mais desfavorecidos, a taxa não é maior do que nos outros estratos.
Mas entre os que repentinamente são afectados por súbitas dificuldades económicas, os números já são mais elevados.
Foi o que sucedeu com o brilhante poeta Mário de Sá-Carneiro.
Ele encontrava-se a viver em Paris.
O pai deixou de lhe enviar dinheiro.
Logo que tal sucedeu, o escritor pôs termo à vida, ingerindo estricnina. Contava vinte e seis anos.
Qual o papel dos media?
As notícias sobre suicídios geram fenómenos de mimetismo, em muitos casos.
Mesmo indivíduos com problemas pouco relevantes podem encarar a morte como solução. Tal sucede sobretudo quando as notícias são dadas de forma a considerar o acto como algo de heróico.
Mesmo indivíduos com problemas pouco relevantes podem encarar a morte como solução. Tal sucede sobretudo quando as notícias são dadas de forma a considerar o acto como algo de heróico.
O fenómeno de imitação é conhecido como “Efeito Werther”.
Em 1774, Goethe publicou o romance “As Mágoas do Jovem Werther”. O protagonista sofre um desgosto de amor. Pega numa arma de fogo e dispara sobre si próprio.
Logo após o seu lançamento, a obra gerou uma série de suicídios com recurso ao mesmo meio.
Como se calcula a taxa de suicídio?
Habitualmente, a taxa de suicídio é expressa em número de mortes por cada cem mil pessoas, num período anual.
Na população em geral, tal situa-se entre 4 a 14, na maior parte dos casos.
Em Malta, atinge, por vezes, zero. Há anos em que não se regista um único suicídio. Em grande parte, devido a factores religiosos. O suicídio é altamente criticado.
Na Rússia, a taxa excede os quarenta.
A taxa de suicídio pode ser calculada relativamente a toda a população de um país, a uma faixa etária, a um sexo, a estratos sócio-económicos ou outros grupos populacionais.
O que revelam as estatísticas?
Os dados estatísticos sobre o suicídio não são inteiramente fiáveis.
Há sempre cifras negras. Inúmeras mortes de pessoas que se suicidaram são consideradas como acidentes, óbitos provocados por doença ou causas naturais.
As razões para que não sejam divulgados casos de suicídios são de vária ordem.
Podem tratar-se de motivos de ordem religiosa, por forma a evitar censura.
Frequentemente, a origem é económica. Os seguros de vida excluem quase sempre os pagamentos em caso de suicídio.
Até motivos políticos podem levar a que se escondam casos de suicídio.
No decorrer da II Guerra Mundial, houve vários casos de soldados que se mataram, quando anteviam uma morte quase inevitável. Tais baixas nunca foram contabilizadas como suicídios.
Inversamente, algumas mortes são consideradas suicídio. Mas podem levantar dúvidas.
Um exemplo recente é o caso do cientista britânico David Kelly. Ele era inspector de armamento no Iraque. Tornou-se público que divulgava informações a meios de comunicação social. Morreu em 2003, tendo-se considerado que se matou. Todavia, há quem defenda que ele foi assassinado.
O que sucede em cenários de guerra?
A taxa de suicídio decresce significativamente sempre que ocorre um conflito bélico.
Na II Guerra Mundial, o número de pessoas que se mataram baixou drasticamente mesmo em nações que nela não participaram.
A razão é óbvia. Quando todos procuram sobreviver a um combate armado, a reflexão é mais profunda quando se trata de decidir morrer.
Há diferenças em relação aos sexos?
São os homens que mais se suicidam.
Há outro dado interessante.
A percentagem de homens que falham um suicídio é inferior.
A razão é simples.
Os métodos utilizados pelos membros do sexo masculino são geralmente mais violentos: arma de fogo ou enforcamento, por exemplo. As probabilidades de insucesso são mais pequenas.
As mulheres tendem a recorrer a processos menos intensos: intoxicação com fármacos, por exemplo. O falhanço fica mais facilitado. Tal como sucede no romance de Paulo Coelho, “Veronika Decide Morrer”.
Em termos de características pessoais, quem mais se suicida?
Nesta matéria, a estatística é utilizada pelos defensores do direito ao suicídio. Mas também pelos que negam esse direito. Fazem-no de acordo com as conveniências.
Quem pensa que ninguém tem o direito de se suicidar, conta com uma importante circunstância a seu favor.
As pessoas mais incultas e com menor grau de instrução apresentam uma taxa de suicídio superior. Daí que se diga que o esclarecimento leva a tomar o suicídio como algo a afastar.
Por outro lado, os que defendem que todos têm o direito a morrer também podem contar com os números.
Entre os génios e as pessoas mais criativas, a taxa de suicídio é muito maior do que no seio da população em geral.
Exemplos de famosos que cometeram suicídio:
Camilo Castelo Branco
Escritor português
1890
Mário de Sá-Carneiro
Poeta português
1916
Ernest Hemingway
Escritor norte-americano
1961
Margaux Hemingway
Actriz norte-americana
Modelo
(neta de Ernest Hemingway)
1996
Elliott Smith
Cantor norte-americano
2003
Edwin Armstrong
Inventor norte-americano
1954
Primo Levi
Escritor italiano
1987
Rudolf Hess
Dirigente nazi
1986
Joaquim Mouzinho de Albuquerque
Militar português, Governador colonial
1902
Friedrich Alfred Krupp
Industrial alemão
1902
Diana ChurchillAssistente social
(filha do primeiro-ministro Winston Churchil)
1963
Van Gogh
Pintor holandês
1890
Tchaikovsky
Compositor russo
1893
Cândida Branca Flor
Cantora portuguesa
2001
Milan Babic
2006
Toshikatsu Matsuoka
Ministro da Agricultura japonês
2007
Actor português
2007
2007
Tony Scott
Realizador norte-americano
2012
Tadahiro Matsushita
Ministro dos Serviços Financeiros japonês
2012
Mindy McCready
Cantora norte-americana
2013
Kate Berry
Fotógrafa britânica
2013
L'Wren Scott
Estilista
norte-americana
2014
2014
Robin Williams
Actor norte-american0
2014
2014
Benoît Violier
Cozinheiro francês
2016
No que concerne a Rudolf Hess, o seu filho não aceita a versão do suicídio. Outros também dizem que se terá tratado de homicídio. A realidade é que Hess, em cumprimento de pena de prisão perpétua, já se tentara suicidar anteriormente. Por outro lado, deixou uma carta de despedida.
Relativamente a Tchaikovsky, aquando da sua morte, supôs-se que esta se devia a cólera. Actualmente, sabe-se que não foi assim e existe a certeza quase absoluta de que se tratou de suicídio. Tal é suportado pela exumação do cadáver e pelo exame das numerosas cartas que escreveu ao irmão. Há também quem defenda que se tratou de assassinato.
Em termos morais e filosóficos, o suicídio é defensável?
Schopenhauer defendia que cada um é livre de se pôr termo à sua vida. É a consequência de o homem se tratar de um ser livre.
Thomas Szasz continua a afirmar idêntico direito, com a autoridade própria da sua condição de psiquiatra e professor universitário.
John Stuart Mill também era conhecido por defender a liberdade individual.
Mas precisamente por essa razão, considerava haver um limite. O homem não é livre de pôr fim à sua liberdade.
Deste modo, não pode entregar-se à escravidão. Nenhum ser humano pode decidir tornar-se escravo pois terminaria a sua liberdade.
Da mesma forma, não pode cometer suicídio, dado que chegaria ao fim a sua liberdade.
Juridicamente, o suicídio é legal?
Em Portugal, a lei não consagra o direito ao suicídio. O cidadão não tem o direito de dispor da sua própria vida.
Tal tem relevância. É permitido o uso da força para impedir que alguém se mate. Por exemplo, caso um sujeito se encontre prestes a atirar-se de uma janela, é admissível agarrá-lo e impedi-lo de cometer o suicídio.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que todos têm direito à vida.
A Constituição da República Portuguesa prescreve que a vida humana é inviolável.
Assim, entende-se que a Lei Fundamental Nacional proíbe a violação da própria vida. Não se limita a consagrar o direito à vida.
Qual é o ponto de vista religioso?
Quase todas as religiões condenam seriamente o suicídio.
A Igreja Católica veda as ordens sagradas aos que tentaram suicidar-se. Outrora, era negado o direito de sepultura aos suicidas.
Quais as técnicas de negociação com pessoas que se encontram prestes a cometer suicídio?
O suicídio é uma solução definitiva para um problema temporário. Este é um aforismo utilizado entre os profissionais que trabalham na matéria.
Portanto, o fundamental é ganhar tempo.
O primeiro passo para o interlocutor é aceitar o suicídio como uma solução válida, mas que pode ser adiada.
Depois, importa estabelecer uma baliza temporal. Chega-se a um acordo segundo o qual o indivíduo não irá matar-se antes de chegar um dado momento. Pode tratar-se de uma hora exacta. Por exemplo, seis e meia. Ou, então, uma altura em que ocorrer algo, como a chegada do terapeuta que tem assistido essa pessoa.
De seguida, há que procurar a existência de alguém em quem o potencial suicida confie: um familiar, um amigo, um colega ou um terapeuta. A presença de uma tal pessoa é muito importante.
Em toda a conversação, devem recusar-se respostas simples, de mera concordância. Pelo contrário, devem pedir-se repostas afirmativas.
Deste modo, não basta que o indivíduo diga “sim”, “concordo”, “aceito” ou “está bem”. É necessário que afirme claramente “Aceito não me matar antes do meio-dia”.
A diferença é que, mais tarde, o potencial suicida poderia asseverar que apenas dissera aquilo porque estava a ser pressionado e nem ouvira bem a pergunta. Por isso, mais facilmente deixará de cumprir a promessa.
Se possível, deve tentar-se a mudança para um espaço confortável. Naturalmente, o pior local para conversar é a varanda de um prédio de onde o indivíduo tenciona lançar-se para o solo.
Em termos práticos, que mais se pode fazer?
O afastamento dos meios apenas deve ser tentado se houver condições de segurança.
Se a pessoa dispõe de uma pistola, o melhor é mesmo não agir. Ainda poderiam suceder duas tragédias.
Caso o indivíduo se encontre prestes a lançar-se de uma ponte, é preferível não tentar agarrá-lo.
Já quando se trata de retirar comprimidos da posse de um potencial suicida ou desligar o motor de um automóvel que se encontra na garagem assim como subtrair uma corda, os riscos são mínimos. É aceitável uma intervenção pela força.
Quando se fala mais desenvolvidamente, qual o teor do diálogo?
Numa conversa mais pormenorizada, há que explorar outras soluções ou saídas, por contraposição ao suicídio.
A forma recomendada é a de fazer com que o próprio indivíduo retire essas conclusões.
Assim como no ensino programado, deve direccionar-se a conversa e colocar questões de modo a que a pessoa conclua por si aquilo que pretendemos transmitir-lhe.
Há que enviar uma mensagem para aquele sujeito. Mas não se vai dizer-lhe isso directamente. Para ele, não há outra alternativa senão o suicídio.
Vai ser ele próprio a perceber que, afinal, existem outras soluções.
Imagine-se um indivíduo que se torna desempregado.
Ele tem mais de quarenta anos. É técnico de reparações de rádios. Já ninguém manda consertar uma telefonia. A profissão que tem exercido não tem qualquer espécie de futuro. A idade dele não lhe permite pensar numa outra actividade. Pessoas mais novas, com qualificações superiores têm enorme dificuldade em encontrar colocação. Para ele, isso é praticamente impossível.
Suponhamos agora que o nosso objectivo é dizer-lhe que deve deixar de procurar emprego em Portugal e que o ideal será encontrar uma actividade fora do país.
Em vez de lhe dizermos isso directamente, iremos colocar uma série de questões. A resposta a essas perguntas vão fazer com que ele conclua que o melhor será considerar a hipótese de emigrar. Vamos fazer-lhe crer que ele é que inferiu aquela ideia.
Quais são as hipóteses de você vir a encontrar um emprego rapidamente, mesmo fora da sua área profissional? A dificuldade deve-se à conjuntura económica portuguesa? Conhece pessoas que sentiram idêntico problema? Entre os seus amigos, quem ganha mais? Os que se encontram no estrangeiro, estão satisfeitos?
Assim, será o próprio a dizer que irá explorar a possibilidade de procurar trabalho fora de Portugal.
Qual a reacção da família e dos amigos do suicida?
O sentimento de culpa é frequente.
A questão típica consiste em saber o que se podia ter feito para evitar aquele desfecho.
Também é vulgar a simples vontade de conhecer as razões da opção pelo suicídio.
Um trabalho sério é a autópsia psicológica. Tem sido levada a cabo pelo psiquiatra Daniel Sampaio.
Recolhendo depoimentos de pessoas próximas do falecido e coligindo elementos sobre os seus últimos dias de vida, consegue-se esclarecer a causa da morte.
Tal permite satisfazer aquelas duas necessidades já referidas: afastar o sentimento de culpa e determinar a motivação do acto suicida.
Este tipo de tarefa é muito útil, revelando-se honesta e proveitosa.
Diferentes serão outras tentativas para eliminar as sensações de culpabilidade.
Trata-se de encontrar precipitadamente uma causa objectiva para afirmar que nada podia ser feito para evitar o suicídio.
Evidentemente, pode ser dito aos familiares que o falecido padecia de esquizofrenia e que se encontrava afectado por alucinações, levando-o a crer que tinha de se matar.
Tal pode ser reconfortante.
Mas não corresponderá à realidade.
É algo de similar ao que sucede com a terapia regressiva.
Vamos a um exemplo.
Determinada pessoa sofre de talassofobia. Tem medo de água. Designadamente, não toma banho em praias ou piscinas nem gosta de olhar para tais massas de água. O pavor é o de morrer por afogamento.
Rapidamente, com hipnose e recorrendo a terapia regressiva, a questão poderá ficar resolvida.
Induz-se a ideia de que aquele indivíduo teve uma vida passada, centenas de anos antes. Era marinheiro e a caravela em que navegava, sofreu um naufrágio. Desesperadamente, lutou pela vida, mas acabou por morrer afogado, no meio de uma violenta tempestade.
Fica explicado o receio actual.
Assim, ultrapassa-se a fobia.
Mas tudo assenta numa premissa fictícia: a de que aquela pessoa teve determinada vida anterior.
Cria-se uma lembrança falsa, com finalidades terapêuticas.
Voltemos ao suicídio.
Do mesmo modo, poderá dizer-se que estava em causa uma predisposição genética do suicida. Se nos genes dele já existia a tendência para ele se vir a matar, pouco poderiam os familiares fazer. O problema é se tal não corresponder à realidade, naquele caso concreto.
Em que casos surge o sentimento de culpa?
Aparece quer nas situações em que a intenção de morrer foi previamente anunciada quer quando o suicídio é algo de inesperado.
Sucedeu algo de dramático quando eu frequentava o Centro de Estudos Judiciários. É a escola de formação de juízes.
O período de aulas teóricas chegou ao fim numa sexta-feira. Foram comunicadas as classificações desta fase intermédia.
Na segunda-feira seguinte, cada um de nós tinha de se apresentar no tribunal onde iria estagiar durante um ano.
Um dos meus colegas compareceu no local e, findo o dia de trabalho, regressou a casa. Ao final da tarde, enforcou-se.
Ele era uma pessoa sempre bem disposta. Nas provas orais de admissão, cometera um lapso. Em vez de levar o Código Penal, meteu na pasta a legislação civil. Só no próprio exame se apercebeu do engano. Aquilo era caso para muitos de nós entrarem em pânico. Mas ele encarou tudo com bonomia.
A questão que se nos colocava era o que teria sucedido para que ele perdesse aquela alegria de viver.
Constantemente, todos nós pensávamos como era possível não nos termos apercebido de que havia algum problema.
A sensação generalizada era a de que não tínhamos conseguido detectar o mais pequeno sinal de que algo não ia bem na vida dele.
Existe predisposição genética para o suicídio?
Sim. No que toca a um recém-nascido, é possível saber se as probabilidades de ele vir a cometer suicídio são mais elevadas do que em relação à generalidade das pessoas.
Nos anos 90, examinaram-se cérebros de pessoas que se mataram a si próprias.
O critério essencial era nunca levar em consideração cadáveres cujo cérebro tivesse sofrido lesões com o acto suicida.
Procedia-se ao corte coronal do cérebro, em doze secções desde a zona frontal. Analisando as eventuais anomalias bioquímicas, a que mais de destacava respeitava à serotonina. Esta diversidade no sistema serotoninérgico de muitos suicidas verificava-se em particular no córtex prefrontal ocular, ou seja, na região cerebral acima da cavidade ocular. Ora esta zona do cérebro é responsável pela tomada de decisões. Trata-se, portanto, de uma diferente retenção emocional entre estes suicidas.
Foram estudados os neurónios dotados de serotonina, por forma a avaliar a capacidade funcional dessas células. O que se verificou é que, entre muito suicidas, existe maior incidência destas células.
Tal apenas sucede porque se nasce assim, com maior número destas células.
Daí que seja possível colher amostras de tecido ou hematológicas em recém-nascidos e concluir se existe predisposição genética para o suicídio.